Na perspectiva da história dos últimos 2.000 anos, se pode afirmar com segurança que as organizações e os indivíduos cristãos que exprimiram solidariedade cristã com o povo judeu e que educaram a igreja sobre as raízes judaicas da fé cristã são uma raridade histórica. Deixe-me colocar em perspectiva: se um encontro para ensinar cristãos sobre os judeus, judaísmo, as raízes judaicas do cristianismo, ou para celebrar as Festas Bíblicas tivesse acontecido durante aproximadamente 1.800 anos dos quase 2.000 anos de história da igreja, a coisa mais leve que poderia ter acontecido aos cristãos seria a excomunhão, e em muitos casos a morte.
E qualquer membro da comunidade judia participando do programa ou apenas ouvindo seria considerado judaizante e penalizado com morte certa pelas autoridades eclesiásticas. Um artigo deste tipo não seria autorizado, com certeza. Mesmo que a história seja algo complexo e que houveram períodos históricos de liberdade de religião, a observação acima pode ser considerada como uma generalização correta. Felizmente, hoje estamos livres para nos reunir e aprender um do outro.
- Os três primeiros séculos desde Cristo
No primeiro século D.C. a igreja estava bem ligada com suas raízes judaicas, e Jesus não tinha nenhuma outra intenção. No final, Jesus é judeu e a base de Seus ensinamentos é consistente com as Escrituras Hebraicas. Em Mateus 5:17,18 ele diz:
"Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas: não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til jamais passará da lei, até que tudo se cumpra".
Também sabe-se que os escribas do Novo Testamento eram judeus, e os apóstolos e primeiros discípulos eram judeus. Eles guardavam o Shabat, celebravam as festas e iam à sinagoga. Mesmo os membros da iniciante Igreja em Jerusalém e nas vizinhanças da Judéia, Samária e Galiléia, eram predominantemente judeus, pois sabemos que não haviam nomes não-judaicos entre as lideranças da igreja de Jerusalém até depois de 135 D.C., quando um grego aparece. Veremos o por quê disto em um momento.
As congregações em outras partes do Império Romano também tinham raízes judaicas ou hebraicas relativamente profundas, por se alinharem com as diretrizes da Escola de Pensamento de Jerusalém, como ilustrado pelos nomes das várias epístolas do Novo Testamento. As cartas aos Coríntios, Romanos, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses e Tessalonicenses. Também os escritores das outras Epístolas estavam ligados à congregação judia.
Mas o que aconteceu para causar tão grande cisma entre as comunidades judias e cristãs? Inicialmente, ele começou como resultado de diferenças religiosas e sociais.
Antes da Primeira Revolta Judaica em 66 D.C., o cristianismo era basicamente uma seita do judaísmo, como o eram os fariseus, os saduceus e os essênios. Os cristãos eram também conhecidos como os nazarenos. Antes da destruição do Templo e de Jerusalém ter sido arrasada pelos romanos em 70 D.C., havia espaço para debate dentro do judaísmo na crescente cidade cosmopolita de Jerusalém. Entretanto, de acordo com David Rausch em seu novo livro "A Legacy of Hatred" (Uma Herança de Ódio), a intrusão romana na Judéia e a larga aceitação do Cristianismo pelos gentios complicavam a história do cristianismo judaico. As guerras romanas contra os judeus não apenas destruíram o Templo e Jerusalém, mas também resultaram em forçar Jerusalém a abandonar sua posição como o centro da fé judaica no mundo romano. Além disso, a rápida aceitação do cristianismo entre os gentios levou a um conflito entre a igreja e a sinagoga. Os gentios cristãos interpretavam a destruição do Templo e de Jerusalém como um sinal que Deus tinha abandonado o judaísmo, e que Ele tinha provido os gentios com liberdade para desenvolver sua própria teologia cristã num contexto livre de influências de Jerusalém.
Os sábios judeus que conseguiram sobreviver a revolta se congregaram em Jabneh (Yavné), uma cidade na Planície de Sharon, perto de Jope, e decidiram que a Escola de Hillel, mais chegada a seita farisaica do judaísmo, seria adotada e praticada como halachá ou Lei (os ensinamentos farisaicos estavam mais interessados no relacionamento entre cada indivíduo e Deus e encorajavam as massas para santidade baseada numa estrita observância da Torá). Mesmo que o judaísmo farisaico tenha demonstrado tolerância com os judeus-cristãos ou nazarenos antes da destruição, a assembléia de Jabneh completou uma separação entre o cristianismo e o judaísmo. Infelizmente, os judeus-cristãos tinham de dissociado da guerra contra os romanos e da tragédia que tinha caído sobre a nação. Acreditando que a sufocação da revolta pelos romanos era um sinal do final, eles fugiram para Pella, a leste do rio Jordão, deixando seus companheiros judeus a se debater sozinhos.
Mais tarde, em 132 D.C. quando Bar Cochba orquestrou a Segunda Revolta Judia contra Roma, os judeus-cristãos tinham outra razão para não participar. Bar Cochba foi nomeado Messias pelo Rabbi Akiva. Como os cristãos viam Jesus como o Messias, participar da revolta sob o comando de Bar Cochba significaria trair suas crenças. Quando a revolta foi esmagada pelo Imperador Hadriano em 135 D.C. Hadriano expulsou todos os judeus de Jerusalém, permitindo que retornassem apenas um dia por ano, em Tisha Be'av, para o luto pela destruição do Templo. E daí portanto, o registro do primeiro nome grego na liderança da igreja de Jerusalém, como resultado da proibição romana da entrada de judeus na cidade. Hadriano também reconstruiu Jerusalém como uma cidade romana e mudou seu nome para Aelia Capitolina e o nome da Judéia para Síria Palestina. Isto foi feito para apagar qualquer ligação judaica com a cidade de Jerusalém e com a terra de Israel.
Por esta época, a Igreja tinha efetivamente se separado do judaísmo. O poder teológico e político se transferiu dos líderes judeus-cristãos para centros de liderança cristã de gentios como Alexandria, Roma e Antioquia. É importante entender esta mudança, porque ela provocou os primeiros Patriarcas da Igreja a fazer declarações anti-judaicas.
Com a expansão da igreja dentro do Império Romano e com o crescimento das congregações de não-judeus, o pensamento grego e romano começou a entrar e completamente mudar a orientação da interpretação bíblica através da psique grega e não de uma psique judia ou hebraica. Isto depois resultaria em muitas heresias, algumas das quais ainda praticadas pela igreja.
Com o judaísmo e o cristianismo seguindo caminhos distintos, o vácuo foi se tornando cada vez maior. Os judeus tinham sido suprimidos com eficiência pelos romanos, e a cristandade estava se espalhando com vigor. Isto preocupava Roma e a pressão política decorrente se tornou o terceiro fator no crescente cisma entre cristãos e judeus. Sob a lei romana, o judaísmo era considerada religião lícita, uma religião legal, pois ela predatava Roma. Para unificar o Império Romano, todos deveriam adorar os deuses romanos e aceitar ao Imperador como um deus.
Obviamente, os cristãos não podiam se sujeitar à esta adoração pagã e portanto se recusaram. Foi durante este período que encontramos cristãos sendo usados para esporte nos coliseus e circos romanos, como gladiadores, ou lançados aos leões. O imperador Nero os usava mesmo como tochas, para iluminar seus jardins de noite, pondo-os em fogo depois de os submergir em alcatrão. O símbolo do peixe, e não a cruz, e cruzar os dedos eram usados pelos cristãos entre eles mesmos, como sinais de identificação durante este período.
Para aliviar esta perseguição, os apologistas cristãos tentavam em vão convencer Roma que o cristianismo era uma extensão do judaísmo. Mas Roma não se convencia. As perseguições e as frustrações resultantes alimentaram uma animosidade para com a comunidade judia, que estava livre para adorar sem perseguições.
Esta animosidade foi refletida nos escritos dos Patriarcas da Igreja. Por exemplo, Eusébio escreveu que as promessas das Escrituras Hebraicas eram para os cristãos e não os judeus, e que as maldições eram para os judeus. Ele dizia que a Igreja era a continuação do Velho Testamento e portanto sobrepujava o judaísmo. A jovem igreja se declarou ser o verdadeiro Israel, ou seja, o Israel espiritual, herdeira das divinas promessas, e achava essencial desacreditar a Israel de acordo com a carne para provar que Deus tinha se despojado de Seu povo e transferido Seu amor para os cristãos.
Nisto encontramos os inícios da Teologia da Substituição, que colocava a igreja triunfante sobre um judaísmo e Israel vencidos. Esta teoria da Substituição se tornou em uma das fundações básicas sobre as quais se baseia o anti-semitismo cristão, mesmo em nossos dias. Incidentalmente, o Novo Testamento fala de uma igreja saída dos filhos adotados de Abraão e de Israel espiritual, NÃO de usurpadores da aliança e o substituto de uma Israel Física.
No começo do século IV, um evento monumental ocorreu para a igreja. Em 306 D.C., Constantino se tornou o primeiro Imperador Romano cristão. No começo ele concedeu aos judeus os mesmos direitos religiosos que aos cristãos. Entretanto, em cerca de 312 D.C., ele declarou ser o cristianismo a religião oficial do Império. Isto assinalou o fim da perseguição de cristãos, mas o início da perseguição do povo judeu.
Em 313 D.C., o Édito de Milão colocava fora da lei as sinagogas, e em 315 outro édito permitia queimar judeus, se condenados por quebrar a lei.
* Os privilégios antigos dados aos judeus foram cancelados;
* A jurisdição rabínica foi abolida ou severamente diminuída;
* O proselitismo ficava proibido e punido com a morte;
* Os judeus foram excluídos de altos postos ou da carreira militar. Em 321, Constantino decretou que todos os negócios deveriam fechar no dia em honra ao sol, escolhendo assim outro dia para as preces, avançando ainda mais o cisma.
* Da noite para o dia, o Cristianismo recebeu o pode do Estado. Invés da igreja usar a oportunidade para espalhar a mensagem de amor do Evangelho, ela na verdade se tornou a igreja triunfante, pronta para vencer seus inimigos. A partir de 312, os escritos dos Patriarcas da Igreja tiveram outro caráter. Não mais defensivos e apologéticos, mas agressivos, e dirigindo seu veneno contra todos fora do rebanho, em especial o povo judeu.
- A idade Média
Examinaremos agora os próximos 700 anos de história, desde os tempos de Constantino até a Primeira Cruzada em 1096 D.C.
Este período é conhecido como a Idade Média, ou Idade das Trevas. O Santo Império Romano procurava expandir a nova fé nas tribos pagãs da Europa Ocidental: entre os ostrogodos no norte e no leste, os visigodos no oeste, e no Império Franco que se estendia do Mar Mediterrâneo e do Oceano Atlântico até o rio Elba, uma região maior do que a atual França.
No início deste período, encontramos exemplos de tendências anti-judias na literatura da Igreja. No final do século IV, o Bispo de Antíoco, Crisistom, um grande orador, escreveu uma série de oito sermões contra os judeus. Ele tinha visto cristãos falando com judeus, fazendo juramentos em frente da Arca, e alguns observavam as festas judaicas. Ele queria colocar um fim nisto, num esforço para trazer seu povo de volta ao que chamava de a fé verdadeira, e os judeus se tornaram o alvo de sua série de sermões. Em suas palavras: "A sinagoga não é apenas um local de meretrício e um teatro, é também um covil de ladrões e de bestas selvagens. Nenhum judeus adora Deus".
Pode-se facilmente ver que um judeu cristão que queria manter sua herança, ou um cristão gentio que queria aprender mais sobre o ancestral do cristianismo teria muitas dificuldades sob esta pressão. Além disso, Crisistom procurava separar completamente o cristianismo do judaísmo. Ele assim escreveu no seu Quarto Discurso: Eu já disse bastante sobre aqueles que se dizem estar do nosso lado, mas estão ansiosos por seguir os ritos judaicos... é contra os judeus que eu desejo fazer batalha".
Outra infeliz contribuição que Crisistom fez ao anti-semitismo cristão foi em declarar todo o povo judeu culpado pela morte de Cristo. A etiqueta "assassinos de Cristo", aplicada ao povo judeu foi reafirmada por anti-semitas no desenrolar dos próximos 16 séculos.
Vejamos este assunto por um momento e acabemos com ele de uma vez por todas. Para justificar o libelo de assassinos de Cristo, foi citado Mateus 27:25. Nesta passagem, o povo judeu é mostrado como admitindo responsabilidade coletiva pela crucificação de Cristo: "E o povo todo respondeu: caia sobre nós o seu sangue e sobre nossos filhos".
1) - A responsabilidade coletiva de todo um povo por todas as gerações não pode ser validada pelas palavras de poucos. Eles estavam falando em nome deles mesmo, não por Israel.
2) - Se eles foram mantidos como responsáveis pela morte de Jesus pela sua participação, então os não-judeus são também responsáveis, porque foi um soldado romano gentio que concretamente crucificou e pregou os pregos (cf. Romanos 3:1). Bem, se não todos os gentios, ao menos podemos manter como responsáveis todos os italianos... Acho que você pode ver para onde nos leva este argumento.
3) - Jesus se entregou voluntariamente à cruz para morrer pelos pecados da humanidade e assim nosso pecado foi o que levou à cruz. Não uma multidão judia ou um exército romano.
4) - Antes de morrer Jesus disse: "Pai, perdoai-os pois não sabem o que fazem". Se Jesus perdoou tanto os protagonistas judeus como os romanos neste evento, quem somos nós para fazer menos do que isto?
Prosseguindo neste período da Idade Média, encontramos alguns líderes perplexos da igreja. Se os judeus e o judaísmo foram amaldiçoados por Deus, como foram ensinados por séculos. Como explicar sua existência?
Agostinho tratou do assunto, elaborando a doutrina que representa os judeus e a nação como testemunhos da verdade do cristianismo. Sua existência era mais ainda justificada pelo serviço que fizeram à verdade cristã, ao atestar pela sua humilhação o triunfo da igreja sobre a sinagoga. O povo-testemunha, escravos e servos que deveriam ser humilhados.
Os monarcas do Santo Império Romano viam assim os judeus como servos da câmara (servicamarae) e os utilizavam como bibliotecários escravos para manter os escritos hebraicos. Eles também utilizavam o serviço dos judeus em outra empresa - a usura ou empréstimo de dinheiro. O empréstimo de fundos era necessário para uma economia crescente. Entretanto, a usura era considerada como colocando em perigo a salvação eterna do cristão, e foi portanto proibida. Assim, a igreja aceitava a prática de empréstimos pelos judeus, pois de acordo com sua lógica, suas almas já estavam perdidas de qualquer forma. Muitos mais tarde, o povo judeu foi usado pelos países ocidentais como agentes de comércio e assim vemos como o povo judeu se encontrou nos campos de bancos e comércio.
Assim, até a Idade Média, o arsenal ideológico do anti-semitismo cristão estava já completamente estabelecido. Do ponto de vista social, a deterioração da posição judia na sociedade estava apenas iniciando. Durante este período inicial, a judeufobia virulenta estava primariamente limitada ao clero, que sempre tentava manter seus rebanhos longe dos judeus. Entretanto, depois, as crescentes fileiras da classe média seriam as fontes principais da atividade anti-semita.
Você PODE FAZER UMA DIFERENÇA!!!
"Retirado do Bridges for Peace - feito por Clarence Wagner, Jr. - Diretor Internacional de Pontes para a paz."